quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O cangaceiro Cosme (exercícios de Guimarães Rosa)


O nome dele era Cosme.

Um do sertão, um encrenqueiro.
Um sujeito mais rápido com o rifle que com o perdão.
Com mais vontade do que honestidade. Por assim dizer.
E com o riso de moleque e de demônio, metade igual de cada.

Que sempre teve um muito de sua vida indo muito errada porque, de certo, não se enquadrava naquilo tudo.

E então a guerra. E, antes e por isso mesmo, com a guerra: os confederados.
Confederação. E quem não faz parte dela é contra a tal, e então já um herói.

Assim feito, Cosme era um dos bons, um matreiro, um caçador dos que não são bem como a gente.
Cosme era um herói, um bom homem que esbanjava dos atos de valor "Magina só, comprava cada tantico de sua glória com a alma d'um soldado confederado. E o cinculitr'di-sangue,"

E tiro a tiro, e facada atrás de outra, Cosme se redimiu.
Mas nunca mudou. Ninguém que puxa aquele gatilho com o fura-bolo canhoto é bom. Soube disso desde o primeiro passarinho, lá aos dez, isso mesmo.

Ele nascera para o embuste, pra ficar plantado dia e noite, pelo simples prazer de matar sem nem se ver. E, quando se aperceber, vai ver já foi.

Morte triste, morte emboscada nesse sertão.

Quem não sabe do duro do mundo tem medo dos confederados.
Quem viramundo, tem medo é de Cosme

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Despedida em uma noite de luar

E então, quando a noite avançou, o paciente deu um suspiro e disse para a bela mulher a seu lado:
- Doutora, eu vou falar uma coisa muito importante. Você é muito bonita. E, me desculpe, você é ainda mais sexy. Eu adoraria ter conhecido você em outra ocasião, em outra situação. Eu queria ter tido você - só que de outra maneira. Eu sei que você me acha louco pelo que eu tentei te convencer hoje. Mas, infelizmente, eu não sou um louco. Infelizmente - muito, muito infelizmente - tudo que eu te contei era verdade. E essa é a última vez que nós - do jeito como estou agora - nos falamos. De um jeito ou de outro. Porque você pode acreditar em tudo que eu disse e sair agora. E ir o mais longe que você conseguir. E se salvar, porque eu vou, depois que acontecer, desaparecer daqui e nunca mais voltar. Ou você pode não acreditar em nada, e ficar aqui comigo preso nessa maca, achando que eu sou só mais um desses caras que inventa um desculpa imensa - e mais ainda absurda - para não ter de ficar aqui. Mais uma pessoa que aparece com um ferimento normal e mente o quanto consegue para fugir desse cheiro de hospital. E então tudo vai acontecer como toda noite como essa. E eu vou atrás de você, porque é você que estou desejando agora, e é você que eu vou buscar assim que ela aparecer todinha. E então eu vou te alcançar, e te agarrar. Em todo caso, amanhã eu não vou mais te ver. E o mais engraçado é que se eu conseguir você para mim, vou sentir o seu gosto na minha boca para sempre.

Estas foram as últimas palavras do paciente, enquanto uma lágrima solitária escorria de seu olho que começava a se transformar. Naquele exato momento em que a lua se completava cheia, e ele se metamorfoseava.

No fim, ele estava certo, era verdade. Ele era um lobisomem.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Pequeno vazio

Eu odeio quando meus gatos somem.
Odeio quando eles se trancam em um forro, em um teto. Quando se exilam no topo de uma árvore.

Hoje aconteceu.
O cão a agarra. Ela escapa. Agarra de novo. Escapa mais uma vez (se eles desistissem algum dia de escapar, tinham sido extintos na Idade Média).
E corre. E pula um muro. E outro. E se esconde em um forro.

Responde com seu miado, mas não aparece.

Uma chuva se aproxima na tarde de hoje.
Uma escada me espera, junto com meu desajeito com alturas.

Hoje à noite eu saio daqui e vou direto para Pinheiros.
Vou tentar, pela milésima vez (quisera eu que o número fosse redondo assim, indicava fechamento de ciclo ou, ao menos, poesia) salvar um gato.

Pode ser que Deus, como já fez muitas vezes, a salve antes.
Pode ser que Ele, como em muitas outras, me use de instrumento para salvá-la.
Eu não aceito nenhuma outra possibilidade.
Nem com a tempestade contra mim.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Na companhia de um vinho


Teve uma viagem que fiz, ano passado, em que passei os dias a vinho.
Toda refeição era um tinto. Tomei vários - o melhor foi um em um almoço que está entre os melhores da minha vida. Você fica mal-acostumado depois de começar a fazer refeições assim. Todo o resto das bebidas começa a parecer grosseiro, inadequado. Como almoçar com cerveja.

Vinhos são prazeres que, por si, justificam o fato de termos o paladar.
Para começar, um dos primeiros passos de experimentar um vinho é sentir seu aroma. E então defini-lo. Vale tudo, tem de falar a primeira coisa que vier à cabeça.
Pra mim isso é perfeito. Explico: é que eu tenho uma mania de cheirar as coisas que consumo. Sempre. Quando vou comer um prato qualquer, tenho de sentir o cheiro bem de pertinho antes. É um lance mais pra mania do que pra algo consciente. É genético, provavelmente. Reparei outro dia que minha mãe faz o exato mesmo ritual. E eu nunca tinha prestado atenção nisso antes. Com o vinho, esse prazer é dobrado. Sentir o aroma antes de prová-lo é como sentir o perfume da mulher em sua nuca antes de começar os primeiros passos da dança. E, sim, eu também sou fascinado profundamente por perfumes .

Adoro ter esse prazer de pegar minha companhia de dança, seja italiana, portuguesa, francesa, espanhola, argentina, chilena e até mesmo brasileira e sentir aos poucos o seu perfume antes de nos entregarmos à dança.

Eu começo aos poucos. Passo o copo levemente para deixar o aroma no ar.
Uma, duas vezes.
Vou aproximando a taça cada vez mais e fecho os olhos. Nada melhor para apurar um sentido do que bloquear os outros. Eu fecho os olhos e aproximo a taça até ela ser meu único foco, ser todo o cenário do meu olfato. Então eu respiro a primeira vez. Solto o ar. E inspiro mais uma vez. Só esse ritual já é suficiente para valer mais do que me esbaldar com qualquer suco ou cerveja.

O próximo passo é deixar um leve gole bailar pela boca. Um gole pequeno. Você só consegue mensurar um prazer mais apuradamente quando o experimenta em pequenas doses. As grandes doses são só para acabarmos uma história de maneira grandiosa. Uma apoteose-overdose. Mas, para começar, tem de ser um tico. Um teaser. O começo que suspira "quero mais" na hora em que mal acaba. Você vira devagar esse golinho e respira. Sim, ainda de olho fechadinho. Não, não sei se precisa. Mas é assim que eu faço - e, francamente, acho que sou um bon vivant que aproveita 3 vezes mais qualquer prazer que a maioria das pessoas. Então, se quiser ter uma experiência que te tira um tanto os pés do chão, faça desse jeito. Um gole devagar, do jeito que você tem de fazer ao pegar a mão direita da moça com a sua esquerda para chamar para dançar. Vira devagarzinho, com malícia e inocência de um malandro. Com o golinho na boca, faça-o passear. E o ideal, eu vou te falar agora, não é nem mexê-lo com a língua. Ele não pode ser jogado de um lado para o outro com grosseria. Não. Você vai inclinar a cabeça devagar para um lado e para o outro, deixar ele correr pela boca como se a trilha sonora fosse um tango suave.

E aí, tudo lentamente como um despertar, você vai engolir, ao mesmo tempo em que abre os olhos. E nessa hora que você vai voltar ao mundo desperto, com uma nova visão do mesmo. A visão de uma vida alterada pela experimentação do vinho.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Estamos sempre na rua


Às vezes me impressiono lendo blogs de amigos.
Penso "Meu Deus... quanto tempo faz que conheço uma pessoa com uma sabedoria dessas e ainda não tinha percebido?"

E a sabedoria nem sempre é tão óbvia quanto a primeira imagem que se faz dela quando você lê letra por letra em um texto. Às vezes, é só um emprego de palavras que você nem suspeitava que a pessoa conhecia. Outras é o simples fato de uma pessoa que parece ser pura prosa se revelar em uma poesia.
A que é plena ação soltar uma história - ainda estou decidindo se vou adotar o recurso de usar a palavra esquecida 'estória' para enfatizar o lado estiloso.

E fico até mais surpreso lendo os meus. Aí sim fico pensando "meu, que que eu disse ali? daonde saiu aquilo?" O texto, que não sei se é tridimensional, com certeza é mais profundo.

Ou talvez o negócio de ter esse interlocutor olhando pra gente na conversa seja emocional demais. Olho no olho tem esse lance de empatizar, né? Você se emociona, começa um pensamento "brother, esse cara é muito do bem, nem vou começar com viagem com ele que o brother vai me achar meio maluco, para...". "Mano, nem a pau que vou falar presse cara que eu me vejo entrando num mar negro sozinho com as palavras que vai soar muito estranho pruma conversa na hora do almoço." Fora que você geralmente tende a concordar com o interlocutor, que se tiver alguma noção faz o mesmo com você. Então não rolam essas divagações em que você consegue colocar uma opinião plenamente pessoal e muitas vezes não compartilhada por ninguém sóbrio.

Sei lá, o blog é um buraquinho na cabeça da pessoa, que olhando com a luz certa e - importante - sem ninguém fazendo barulho alto do lado dá pra ver as coisas que passam lá dentro, ressoando o que tá rolando aqui fora.

No dia-a-dia, todo mundo tá na rua. Você só tá na casa da pessoa quando você lê o que ela escreve. "Entra aí, Pereira, a casa é sua, sem cerimônia, sinta-se muito à vontade: Faz de conta que eu nem estou aqui." Daí sim, você vira hóspede dela, assiste a tudo invisível e aconchegado.

Eu, sinceramente, espero que você que está nessa linha, agora, esteja se sentindo completamente em casa também. Fique à vontade.

E, peço de coração, me perdoa quando nos encontrarmos se eu não conseguir me revelar tanto. É que vamos estar no meio da rua.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Palavras livres


Quando, às vezes, chego em casa mais cedo que meu sono (e muito depois da hora de jantar), tudo que ainda me guia é escrever.

De antemão já peço desculpas. O fato é que não estou tão familiarizado com esse teclado, nem com as ideias que correm como loucas na cabeça - naquele mesmo frenesi que as crianças pela primeira vez sentem no pega-pega na sala da cristaleira.
Escrevo agora só porque sim, porque cada dedo sente uma vontade doida [e doída] de apertar uma tecla. E cada um, querendo roubar a vez do outro, se insere em uma grosseria que, por final, constitui um texto, como seus pares que estão aqui. E nasceram da mesma maneira.

Os textos não são meus. Nunca foram. Se você achava que eram, pode me condenar como um farsante. Eles são tão somente dessa necessidade de apertar esses botões pretos para gastar essa vontade - desviar essa loucura. Para dentro da máquina, para quem quiser ler: eu nunca sei.

Nunca sei, quando começo, se esse vai ser o texto dos 20 calorosos ou dos dois secos comentários - sendo um meu, tentando explicar um mal-entendido de uma digitação auto-centrada.

Nem sei nunca, aliás, se o texto será escrito até o final. Deus - com D maiúsculo porque esse mundo só faz sentido se houver alguém para me condenar pelos falsos acertos das minhas escolhas - sabe quantos posts não foram começados e nunca acabados. Quantas vozes aflitas se emudeceram perante a inesperada visita do superego que visita repentinamente a cachola (E se não fossem esses programas da Cultura, condenaria com estalares de língua no mais correto português a palavra 'cachola'). Eu admito: muitas vezes já desisti no meio. Abandonei as palavras em alto-mar, quando elas só esperavam de mim um fechamento para sobreviver e construir um conto, uma crítica, crônica, sei-lá-o-quê, pretensa estória. Dos meus filhos, você só vê a metade.

Mas quando escrevo, é como comungar com esse mar. À noite, à melhor meia-noite. É aquele entrar sem volta em algo infinito, negro, pleno e sem pressa. É se entregar a tudo que está à frente. Passo por passo, com única certeza que fui mais certo em tudo que no passo anterior. Quando escrevo não ouço mais nada. O mundo começa a argumentar mais baixo. Não se cala de fato, mas para pra me ouvir. Finge que vai falar mas presta mais atenção no que digo do que no que ele mesmo, infinito que só, tem a dizer. É um mar entediado esperando o naufrágo que só se agarra a palavras.

E então estou lá. Sozinho como só Deus esteve, dias antes de tentar seu 'Fiat Lux'. Como Jesus em seu maior momento, não os dos milagres mas o da solidão divina no Monte das Oliveiras. E é a mesma sensação que senti no mar, à meia-noite, na praia deserta: eu estou só, mas estou completo. Nada preciso que não as palavras. Afinal, quem rema: eu ou elas?
Talvez elas só queiram sair de mim, se libertar e encontra um algo-outro infinito. Ir até onde consigam mais agir, só ser.

Mas até onde vão, isso nunca mesmo posso saber. É presunção, e é limite. O meu limite, só-escritor.

As palavras foram feitas para serem ditas sem compromisso de voltarem a seu porto de partida.
Eu só as liberto no mar. No mar em que eu escolhi me perder.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Perguntas

Das quais você nunca sabe a resposta.
Por mais que ache que sabe.

Quantas pessoas hoje viram você pela primeira vez na vida?

Qual será seu último melhor amigo?

Quantos países você vai conhecer?

Quem foi a pessoa que mais te amou?

Qual sua maior qualidade?

Qual será seu último prato?

Quanto você já gastou com esmolas até hoje?

E com gorjetas?

E com cigarros?

Sim, qualquer cigarro

Quantas vezes você mastigou do lado esquerdo?

Pelo menos: foi mais vezes que do direito?

Quantas vezes você já cortou o cabelo?

Quantas pessoas moram no seu prédio (ou no da frente da sua casa)?

Quantas vezes você já esteve a um passo de morrer?

Quantos abraços você ainda vai dar?

Qual o melhor abraço que você vai dar?

Você já conheceu a personalidade mais interessante de sua vida ou ainda vai conhecer?

Quantas linhas você vai escrever?

E qual a mais importante delas?

O melhor prato que você vai comer na vida?

(parece que não, mas esta é uma das mais importantes)

Quantas vezes você esteve a um passo de matar?

Quantas vezes você abriu uma porta?

Quantos melhores poemas de todos você já leu?

E quantos vai escrever?

Qual será sua última pergunta de todas?

E qual será sua última resposta?

Qual o motivo de ter mais perguntas do que respostas no mundo?

E qual o sentido destas perguntas?

Será que, pelo menos para essa, você tem um jeito simples de descobrir a resposta?

Não.
Você não sabe a resposta.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Some never awaken - Anaïs Nin

Alguns textos são bons demais para eu não colocar inteiros.


Some never awaken.

“You live like this, sheltered, in a delicate world, and you believe you are living. Then you read a book… or you take a trip… and you discover that you are not living, that you are hibernating. The symptoms of hibernating are easily detectable: first, restlessness. The second symptom (when hibernating becomes dangerous and might degenerate into death): absence of pleasure. That is all. It appears like an innocuous illness. Monotony, boredom, death. Millions live like this (or die like this) without knowing it. They work in offices. They drive a car. They picnic with their families. They raise children. And then some shock treatment takes place: a person, a book, a song, and it awakens them and saves them from death. Some never awaken.”

-Anaïs Nin

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Eu, a cópia


Hoje li uma frase boa. 'Todos nascemos originais. E morremos cópias'.

Eu até ía perguntar o quanto isso é verdade, mas como diria o Raul seixas, de blog com pergunta retórica o Brasil já está cheio.

Sempre que a gente lê uma dessas frasesinhas-provérbio, só abre um sorrisinho se ela faz sentido, se a gente dá aquela conferida mental na hora e decobre que tem os requisitos para se configurar uma miniverdade universal. O que eu, obviamente, fiz com essa frase.

Na primeira vez que li, senti isso mais pela sacada tradicional: quando criança todo mundo é criativo, depois começamos a repetir as fórmulas que sabemos que funcionam. O lance é o que veio depois.

Depois de um dia todo de trabalho, papo, almoço, risadas, ônibus e caminhadas, eu comecei a ver um outro lado. Dane-se esse lance da criatividade, mania-obsessão de publicitário. (aliás, um adendo: eu deveria antes de escrever cada post reler o primeiro de todos, ele tinha umas regrinhas ótimas preu nunca me perder escrevendo. Como você percebe, 'evitar digressões' não era uma delas.)

O que eu comecei a perceber dessa frase é o lance do quanto ela nos fala sobre hereditariedade. A cada dia, ficamos mais parecidos com nossos pais. Eu hoje me reparei com um tanto de cada. Com meu irmão deve rolar a mesma coisa, com outra pegada. Ele grava um disco do Roberto Carlos, compra uma moto e tá tudo de boa. Eu, por outro lado, sou as emoções e ações e erros e acertos de Dona Selma e Renatão. Cada dia mais, sou uma cópia deles. 

Depois de discutir outro dia sobre o tempo com o James, comecei a ver o tempo como um fenômeno com um corpo completo. Nós só vemos uma fatia tridimensional dele por vez, e entendemos isso como "presente". Maybe it's just the way it should be. Agora, o lance engraçado não é sermos de certa maneira a mesma pessoa do nosso primeiro ao último dia. O negócio é que nossa vida pode - e, seguindo o que eu estou defendendo nesse texto, obrigatoriamente o faz - seguir o mesmo padrão da vida das nossas gerações anteriores. No naipe "cada bola de sinuca faz o caminho que for, simplesmente para cair em uma caçapa do mesmo modo". Talvez meu pai tenha lutado para ser diferente do Renatão primeiro, meu vô, o ajudante que virou legista que virou o descobridor da técnica de consertar corações. Mas o Renatão primeiro antes de tudo era o 'príncipe', apelido por seu charme de cavalheiro. E meu pai foi um monte de coisas que seu pai não fora, mas acabou sendo o mesmo, 30 anos após. E eu, que sou tão diferente, diplomado, branco, 'culto', eu termino sendo como eles. Releituras.
E eu sou também a Dona Selma, quando ela era só a Neca e saía para as ruas porque toda casa é infinitamente pequena. E que acreditava que toda chance pequena é infinitamente maior que nunca tentar. E ela foi mulher e viveu muito mais do que eu vivi, e mesmo assim eu, o publicitário, e aquela manicurie ainda somos, somehow, a mesma pessoa.

Mudou a forma, tentou o destino, mas o padrão se formou o mesmo. Como cada banana é uma diferente, mas sempre formam um cacho.

Talvez, antes de saber o mundo (por tudo que aprendi pelas vidas deles), eu ainda fosse um original. Algo que nasceu só da minha cabeça que conhecia tudo do mundo por primeira impressão. Hoje, eu sei: empilhei os originais para juntar o que tinham de bom, e me fiz cópia.

Agora a frase, aquela de verdade, a que vem depois que você põe todos os neurônios e pinos da cachola para dançarem o maracatu do raciocínio: saber ao final da vida que você foi parecido com os de antes é fácil. E... e olhar sua vida, ainda no começo, e imaginar que ela pode seguir um caminho que você já sabe o final?

domingo, 10 de maio de 2009

Whatever Happened to Gus


Não sei se meu primeiro contato com essa música foi acordado ou não.

Sei que não parece ter sentido até você ouvir entendendo a letra. And then...

Sonhei outro dia que conversava com um gato, coisa que motivou uma decisão e uma mudança na minha vida. Acordei com essa música na cabeça.

Ainda não sei se lembro dessas músicas do sonho ou se a manhã seguinte é que faz parte deles.


"It had something to do with Max. 

With Max and Bird, Billy Eckstein and Lester Young, back in the day. Them cats, coming out of Pittsburgh by way of Kansas City. Way back when, we were laid on up to win in a souze in that crowd. 

You see, it was like this. Yeah, there I was in the basement of this office building, down there around Brooklyn Bridge. Rehearsals, see, and, like, there was Bird, Bird with his arm around Wynton Marsalis' shoulder. Bent me all out of shape, I couldn't figure what the hell Bird was doing with his arm around Wynton Marsalis' shoulder, it didn't seem to change. And than there was all these musicians, all these fantastic jazz musicians hustling and running across Brooklyn Bridge, descending into the city, the Big Apple, down there around City Hall. Bright and early one morning, just running. And there was this one cat that looked just like Lester Young. 

Than his image kept changing, than he started looking like Billy Eckstein, than back to Lester, than Billy, than Lester, than Billy. And ran up to him and I said "Say Man.


And I said to him, I said "Say man, who's got the key?", he looked at me and he said "Key, what key?". He said "Gus got the key." I said "Gus, Gus who?" He said, "Don't you know, Gus Johnson got the key." 

And that's when I did my research, searched around the jazz scene through the history of the music. Inside out, outside in. Talked to one old timer way back when, and he said, "Yeah, don't you known Gus Johnson, he was a drummer, back out of Kansas City."

terça-feira, 31 de março de 2009

Eu agradeço a todos os Santos

A Jorge Ben por mostrar a poesia da vida.
A Gil por ser amigo íntimo das palavras
E a Guimarães por libertá-las.

Eu agradeço a Cartola por colocar o mundo na caixa de fósforo,
A Chico por ser seu confidente
E a Clarice por ela ser tão mulher.

A Simão, Pedro, Paulo, Judas, Tiagos, Mateus, João, André, Tadeu, Felipe e Bartolomeu por serem os primeiros a acreditar no amigo.

Por ser maior que as regras da vida, a Silvio.
Por resistir a cada golpe do pessimismo, a Ali.
Por carregar o mundo nas costas, ao homem da carroça.

Agradeço de todo o coração ao cachorro na estrada no Chile
Ao chinês que parou a máquina
E também a quem não perdeu a ternura.

Eu agradeço ao primeiro louco e ao último são.
Eu agradeço aos piscianos por serem puros
E agradeço aos puros por não dependerem de religião.

A Luiz Inacio por ter tido a coragem.
A Christopher por ter voado de verdade,
E ao Dalai, por ser.

Eu agradeço ao pai pela gentileza e pela força
E à mãe pela decisão e pelo sacrificar.

Agradeço aos que leem, aos que ouvem e aos que querem comentar.
E agradeço quem se aproxima , pelo tempo que for, e faz parte da minha vida.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O vazio entre dois livros


Como faz tempo que não escrevo por aqui, vou soltar as palavras devagar. Pra não me atropelar, não afobar. Escrever é que nem colocar meia quando a gente é criança: com pressa, enrola tudo e temos de começar de novo.

Bom, para começar, vou citar os dois livros que fizeram companhia para mim neste meio tempo que fiquei sem subir ao palco. Foram eles os ilustres “Grande Sertão: Veredas” e “Tao Te Ching”. Escritos por João Guimarães Rosa e Lao Tse, respectivamente. Duas obras primas. Dois livros e muito mais que mil vidas de sabedoria.

Eles falam, cada qual à sua maneira, do que é a vida quando você abre o foco. Quando a gente olha uma coisa de perto não vê o todo. Tem até aquela teoria que a gente não vê os rostos por completo. A gente vê todos os detalhes e depois monta dentro da cabeça o rosto da pessoa. Só que normalmente ninguém consegue fazer isso com a vida, com o mundo. Nos apegamos aos detalhes, o que foi uma semana, o que foi um dia, o que é um evento. É difícil olhar para tudo que nos acontece e ver mecanismos genéricos que se repetem ao longo de nossa vida. No máximo um “sempre me fodo quando namoro mulheres mais novas” ou “nunca consigo me dar bem em empregos formais demais”.

O Tao é uma religião. E mais. E não só. Este é um livro para se ler com tempo. Sem necessidade de entender cada página de prima. Pelo contrário, eu gosto de tomar bem 40 minutos para ler cada página. Você percebe que os conceitos que estão no Tao são reproduzidos em vários livros, incluindo a própria bíblia. Mas se cada livro é um tipo diferente de pão, como croissant, francês ou italiano, o Tao é a própria massa. Não tem o sabor ou a forma definidos. Só a substância. É algo difícil de explicar como deve ser difícil para você que lê agora entender. Mas um exemplo gostoso:

Una oito raios a um eixo e você terá uma roda.
A utilidade da roda está no vazio.
Monte com o barro uma panela.
A utilidade da panela está no vazio.
Assim, da existência nasce o valor.
Da não-existência, o vazio, nasce a utilidade.


Por isso aconselho você a tentar por si mesmo. Leia uma página qualquer do meio e veja como ele fala de um aspecto da vida sem ser específico demais. No fim das contas, você percebe que ele fala de sua vida, e nenhuma outra, ou todas as outras.

Lendo o Sertão, descobri muitos pedaços do Tao. Porque o Tao está presente em quase todas as histórias por um ponto de vista, e no Sertão ele explica muita coisa. O Sertão é sobre como os conceitos de bem e mal são só a primeira milha andada na viagem de auto-descobrimento. Exemplo: todos são bons e maus. Mas, não sendo ninguém 100% bom, então somos todos maus. Mas se todos somos maus, ninguém é mau, porque você só é algo quando existe um exemplo oposto. Então o que somos é o próprio Sertão, onde não existe o bom e o mau. E o Sertão, infinito, está dentro de nós. E por isso nossa busca na vida nunca termina. Fora isso, o livro é importantíssimo para você entender o que é a língua. João, o autor, falava 14 línguas. Escreveu um livro que todo mundo que fez cursinho conhece pela “complicação”. Mas o livro, eu entendi, revela os mecanismos da linguagem. Leia, mesmo sem entendê-lo a princípio. Você perceberá que usamos a nossa língua de uma maneira muito, muito limitada. Quase não a usamos na verdade. É um livro que me delicia ler. Descobrir os absurdos de sentidos possíveis com as palavras – e suas deturpações intencionais. Tem muito a ver com um dos meus posts anteriores (procura por aí no blog porque eu não manjo muito de ficar fazendo link) quando eu falava sobre ler català.

Foi por essas andanças, mundos sem fim de ideias e palavras, que me perdi. Nesses tempos. Não peço desculpas, estou é grato, encontrei mais de mim. E sei que as palavras podem ser vazias, essa é sua utilidade, então adorarei discutir-explicar melhor ao vivo.

Agora estou de volta, para varrer o chão dando a conta desta casa.
E, como sempre, as visitas são mais que bem-vindas.