quinta-feira, 31 de julho de 2008

Jazz e genialidade


Arrisco a dizer que não há, para a mente do criativo, música melhor que o jazz.

É sobre o ritmo, sobre sempre ter uma nota a mais. Que se encaixa melhor que todas que foram colocadas até agora. É sobre continuar, seguir sem saber onde a novidade vai parar.

Eu sou suspeito para falar (ou, segundo alguns, suspeito em todas as ocasiões) mas acho que isso é mais verdade quando a gente fala do jazz bebop. Não tem trilha sonora melhor pras grandes idéias que uma batida acelerada do Bird e do Dizzy.

O swing também tem suas maravilhas - e muitas. Acabei de ouvir Sing, sing,sing, com a orquestra do Benny Goodman. Música fenomenal. Escrevendo isso com o pé a 127 bpm, acompanhando a pegada. Só o clarinete nos compreende, gritando e avisando "estamos loucos".

É engraçado como o cérebro parece um carro que, depois de muito tempo, recebe gasolina não-adulterada e começa a correr que é uma maravilha. Se jazz fosse mais disseminado, acabava o uso de cocaína nesse mundo.

E eu sento aqui, pra ter 127 idéias por dia, e quase nunca isso acontece. Daí chego hoje. Coloco no musicovery, jazz década 50 e anteriores. Pronto. Conceito do institucional da empresa, materiais de cross de um relançamento, fazendo cotação de preços de fotos pra minha cunhada, lendo a entrevista do Mutarelli na M&M, lendo e postando twitter, tudo ao mesmo tempo e ainda me sobra espaço pra sorrir e contar piadas. Escrevendo este post ao mesmo tempo, é claro.

O engraçado é que acho que comecei a gostar de jazz mais ou menos na mesma época em que decidi que a publicidade ía ser a minha obrigação diária pelo resto da vida. Pra quem não sabe a história: eu era um moleque inteligente na escola, e não esforçado. Eu não precissava estudar para ficar entre os melhores da sala. Se eu, por falta do que fazer, estudava, era o melhor.

Mas minha pegada era outra, diferente dos cdf's: eu era o clássico "crânio do fundão". Aquele cara que toca o puteiro com todos os marginais das últimas cadeiras de cada fileira, e na hora da prova garante que todos os caras que tavam lá pela zoeira iam tiram uma nota no mínimo aceitável. Chegava a fazer 4, 5 provas ao mesmo tempo pra garantir a galera. Era minha verdadeira realização acadêmica fazer o pixador repetente tirar uma nota melhor que a menininha caxias que olhava pra gente com nojinho. Isso pra mim foi o prenúncio da pegada jazzística: um talento que recusa a academia e prefere a boemia.

O lance é que eu não queria escolher profissão nenhuma na vida. Tudo parecia um saco. Engenharia, camisa sempre dentro da calça e calculadora na mão, puta coisa que eu me mataria de tédio na primeira semana. Direito então, nem com muito filme de tribunal pra achar que aqueles semi-coveiros tinham emoção na vida. Medicina... desculpa, mas o Doutor Sara-Tudo perdeu a graça em 15 minutos. Não tinha nada, absolutamente nada que eu quisesse fazer. Eu não queria ter a obrigação de ser sério. Daí veio minha primeira grande idéia, e justo ela me abriu as portas desse mundo: eu poderia arranjar um emprego em que eu passasse o dia inteiro fazendo piadas, pensamentos completamente estúpidos/geniais que tirassem as pessoas do mesmo de todos os dias. Só isso poderia me fazer trabalhar. Todo o resto me parecia tão emocionante quanto trabalhar em um cartório (meu Deus, quantas vezes usei isso como comparação do que é o trabalho menos emocionante de todos?).

Escolhi a publicidade, como quem encontra a única mulher que serve. A diferente de todas.

Daí o jazz. Comecei a gostar quando vi um desenho Tom&Jerry. O Jerry lá, naquele salão com um monte de ratinhos, tocando tudo e mais um pouco naquela bateria. Bebop puro, na veia. Eu senti que aquilo era quase familiar. Aquela festa, o caos, a genialidade - pensando hoje, era um reflexo do que eu via na minha vida. Mas, naquela hora, era simplesmente bom demais, e melhor que qualquer outra coisa. Não havia prisão das letras, que tornavam os rocks e pops algo marcado e sem mística. Havia só o jazz e a sensação de que não havia limites.


Acho que o jazz e a criação se combinaram na minha vida e eu, meio sem saber, encontrei o meu caminho na vida. Bem, trago os dois comigo até hoje. Assim como esse post, que começou só porque eu ouvia uma música muito boa e que eu nem sabia onde e como iria terminar, acabou me resgatando na cabeça quem eu fui e sou. E também onde posso e devo chegar.

Estou no ritmo do jazz. Não podem me segurar.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

A outra língua


Começo desse ano fiz uma viagem.
Minhas primeiras férias desde que comecei a trampar.
Quer dizer, meu primeiro emprego mesmo foi em uma videolocadora, tinha um fliperama no andar de cima. Eu tava no segundo ou terceiro colegial, ía pro trampo depois da aula e ficava até fechar. Era divertido, jantando pizza, ganhando do traficante maninho no Street Fighter, rindo das situações mais insólitas. Lembro duma mulher ligando, meia-hora depois do marido ter passado na locadora, perguntando se el tinha alugado um filme pornô. Voz de preocupada, disse que era uma pergunta muito importante, que da minha resposta dependia o casamento dos dois. Ainda bem que não era aqueles pornozões de traveco, daí o cara tava ferrado de verdade. Eu fiz o que era certo, menti que eu tinha entrado fazia 15 minutos (eu que tinha feito a locação).
Anyway, depois que entrei na facul só trampei com publicidade e adjacências. Comecei a estagiar no primeiro ano, dentro da própria facul. ECA Jr., um tesão de agência (a gente criou esse slogan numas férias). O lance foi que depois que comecei a estagiar lá eu meio que fui emendando uma coisa na outra, um estágio atrás do outro, depois fui pra Tostex, estúdio de design pequeno e responsa, faz o SambaPhoto. Dali pra SitCom e assim foi. Sempre saindo de um trampo para emendar em outro.
Daí esse começo de ano eu bati meu recorde de permanência em um lugar, a Moti, e fui obrigado (provável que legalmente) a tirar férias.
Por coincidência, eu tava com a herança do meu pai, tinha acabado de chegar na minha conta.
Foi minha chance de conhecer a europa. Ou melhor, algo fora do Brasil. Até então, o mais longe que eu tinha ido do Brasil foi uma vez que nadei uns 100 metros pra frente no mar. A viagem começou por Portugal, lugar maravilhoso. Depois peguei um avião da Iberia para Barcelona.

Acredite se quiser, esse é o ponto em que começa o assunto do post.

Barcelona é um lugar legal. Demais, pra falar a verdade. A Cidade tem uma pegada jovem que você já conhece a sensação, mas não sabe de onde. Sair de noite pelas ruas é como andar numa cidade em que estão rolando jogos universitários. é gente jovem pra caramba na rua de madrugada, todo mundo no naipe da balada, todo mundo pronto pro que der e vier. Nessa hora, poucos carros e muitas bicicletas e pedestres. O mais importa, uma cidade com duas línguas: o espanhol e o català. E o català é fantástico. é quase um ramo esquecido da evolução das espécies. Tem gente que fala simplificando (como eu, por exemplo) que é uma mistura de espanhol com francês e um pouco de português. Parece que essas línguas todas têm origem comum e que todas as outras cresceram demais, e o català ficou restrito à região da Catalunya. O mais legal desse mundo internético é que se você quiser, abre agora uma janela do Wikipedia e descobre que eu devo tá falando um monte de bobagens. Mas, entre ser um caxias que pesquisa pra não dar foras e um cara que conta histórias que ouviu das pessoas, eu sou o segundo, graças.
No vôo pra Barna (essa foi outra que aprendi - Barça é o time, Barna é a cidade), peguei uma resvista da companhia e comecei a ler. Redator teoricamente tem dessas, lê tudo quanto é coisa que aparece pra aumentar o conteúdo da cabeça. Tava lá o mesmo texto em 3 línguas: inglês, espanhol e català. Não tive dúvidas. Peguei o texto catalão e comecei a mandar ver. Foi assim que eu aprendi inglês, no ginásio. Pegava livros e livros e ía traduzindo as palavras uma a uma. E lá estava eu no avião, fazendo o mesmo com uma língua que eu nem sabia a sonoridade. Quando chegava alguma palavra que eu não fazia a mínima idéia, comparava com os outros pra sacar. Acredita que depois de um tantinho o texto começou a fluir legal?
Tinha nas histórias dos X-Men um moleque cujo poder era entender, verbalmente ou escrita, qualquer língua. Putsa poder fraco comparado com os outros X-Man, mas a idéia era maravilhosa: o cérebro dele refazia os caminhos de formação das línguas automaticamente.
A brincadeira é essa: isso não é um poder, é uma capacidade nossa. Claro que não nesse nível super-herói. Não dá pra assinar um contrato em russo, com aquelas letras do zangief, e achar que se deu bem. Mas com um pouco de esforço e mente focada você começa a intuir significados.
Isso tanto é verdade que sempre tem aquela palavra em inglês que você não encontra nenhuma tradução exata em português.

Gostei tanto dessa vibe diferente de ler o català que comecei a ler, na cidade, tudo que me aparecia pela frente. Até trouxe umas folhetarias pra cá na volta. A cidade tem uma loja de chocolates imbecil de boa. Um dos folhetinhos que trouxe foi um portfólio de chocolates misturados com diversas coisa. Como ele está nas 3 línguas, vou brincando de aprender. Me dou até ao trabalho, de quando em quando, em procurar um assunto qualquer na Wikipedia e ler em català.

Daí saiu na Vida Simples, se não me engano, uma notinha aconselhando as pessoas a fazerem isso que eu sempre fiz. Pegar textos em uma língua que você não domina e ler o original pra sacar a sonoridade do autor, intuir o significado. Enfim, fazer esse jogo de mímica com a língua estrangeira que tá lá, esperando pra te conhecer. Que nem um estudante de intercâmbio que ama o Brasil mas não conhece uma palavra de português que seja. Fazendo isso, você começa a descobrir os mecanismos de linguagem, entende a relação entre as palavras sem precisar do significado. Você começa a entender o primórdio das línguas, aquele jeito de pensar que já existia no cérebro humano mesmo antes de um homem inventar a primeira palavra.

Já sei o inglês e comecei o francês. Pretendo ainda aprender, no mínimo, o espanhol, o mandarim (sim, eles vão virar potência e pólo cultural, people) e sei lá mais qual.

Mas, independente de qualquer objetivo, nunca vou fugir de nenhum desafio criptografado. Esse é um dos meus hobbies: entender o mundo.