segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Na companhia de um vinho


Teve uma viagem que fiz, ano passado, em que passei os dias a vinho.
Toda refeição era um tinto. Tomei vários - o melhor foi um em um almoço que está entre os melhores da minha vida. Você fica mal-acostumado depois de começar a fazer refeições assim. Todo o resto das bebidas começa a parecer grosseiro, inadequado. Como almoçar com cerveja.

Vinhos são prazeres que, por si, justificam o fato de termos o paladar.
Para começar, um dos primeiros passos de experimentar um vinho é sentir seu aroma. E então defini-lo. Vale tudo, tem de falar a primeira coisa que vier à cabeça.
Pra mim isso é perfeito. Explico: é que eu tenho uma mania de cheirar as coisas que consumo. Sempre. Quando vou comer um prato qualquer, tenho de sentir o cheiro bem de pertinho antes. É um lance mais pra mania do que pra algo consciente. É genético, provavelmente. Reparei outro dia que minha mãe faz o exato mesmo ritual. E eu nunca tinha prestado atenção nisso antes. Com o vinho, esse prazer é dobrado. Sentir o aroma antes de prová-lo é como sentir o perfume da mulher em sua nuca antes de começar os primeiros passos da dança. E, sim, eu também sou fascinado profundamente por perfumes .

Adoro ter esse prazer de pegar minha companhia de dança, seja italiana, portuguesa, francesa, espanhola, argentina, chilena e até mesmo brasileira e sentir aos poucos o seu perfume antes de nos entregarmos à dança.

Eu começo aos poucos. Passo o copo levemente para deixar o aroma no ar.
Uma, duas vezes.
Vou aproximando a taça cada vez mais e fecho os olhos. Nada melhor para apurar um sentido do que bloquear os outros. Eu fecho os olhos e aproximo a taça até ela ser meu único foco, ser todo o cenário do meu olfato. Então eu respiro a primeira vez. Solto o ar. E inspiro mais uma vez. Só esse ritual já é suficiente para valer mais do que me esbaldar com qualquer suco ou cerveja.

O próximo passo é deixar um leve gole bailar pela boca. Um gole pequeno. Você só consegue mensurar um prazer mais apuradamente quando o experimenta em pequenas doses. As grandes doses são só para acabarmos uma história de maneira grandiosa. Uma apoteose-overdose. Mas, para começar, tem de ser um tico. Um teaser. O começo que suspira "quero mais" na hora em que mal acaba. Você vira devagar esse golinho e respira. Sim, ainda de olho fechadinho. Não, não sei se precisa. Mas é assim que eu faço - e, francamente, acho que sou um bon vivant que aproveita 3 vezes mais qualquer prazer que a maioria das pessoas. Então, se quiser ter uma experiência que te tira um tanto os pés do chão, faça desse jeito. Um gole devagar, do jeito que você tem de fazer ao pegar a mão direita da moça com a sua esquerda para chamar para dançar. Vira devagarzinho, com malícia e inocência de um malandro. Com o golinho na boca, faça-o passear. E o ideal, eu vou te falar agora, não é nem mexê-lo com a língua. Ele não pode ser jogado de um lado para o outro com grosseria. Não. Você vai inclinar a cabeça devagar para um lado e para o outro, deixar ele correr pela boca como se a trilha sonora fosse um tango suave.

E aí, tudo lentamente como um despertar, você vai engolir, ao mesmo tempo em que abre os olhos. E nessa hora que você vai voltar ao mundo desperto, com uma nova visão do mesmo. A visão de uma vida alterada pela experimentação do vinho.