sexta-feira, 4 de junho de 2010

Entre vinhos e amigos

Eu começo o dia encontrando um grupo de congressistas. Quem lidera o grupo, o cara que organizou toda a coisa, é o Michael (vou chamar de Mike daqui pra frente, acho mais coloquial). Esse Mike se provou um cara muito atencioso, até pelo fato dele ter aquele hábito de levar cada palavra que você fala em consideração. Eu, que costumo falar muito e às vezes só para preencher o espaço entre uma ação e outra, descobri que ele prestava atenção a cada uma delas. Isso a princípio me intimidou um pouco, claro, mas o cara é tão do bem que eu passei a perceber isso mais como atenção e respeito mesmo, não como uma investigação como normalmente acontece quando uma pessoa presta atenção demais em mim. Então fomos. Um passeio para conhecer um banco de comidas (sim, eu também me perguntei que catzo era isso). Um banco de comida é um esquema assim: os caras recebem doações de alimentos, caixas e caixas, e vão repassando para todo tipo de instituições que precisam. Dali fomos pruma fazenda que também estava envolvida no esquema, onde voluntários mantinham uma horta. Bom, resumindo, foram meia dúzia de visitinhas dessas, sempre com um big lado humanitário voltado a ajudar o pessoal americano que tá passando fome – uma coisa muito mais frequente que a gente pode imaginar. A economia dos caras tá o contrário da nossa: a gente crescendo e os caras com números péssimos. E quanto mais desastre, mais os bancos de comida (food banks) crescem seus números de sucesso: pounds de comida distribuída.

Esses passeios sempre têm um lado de descoberta interessantíssimo. O primeiro de ontem foi o almoço. Fomos prum pequeno prédio, ainda nos detalhes finais de sua construção, e comemos um almoço completo em que só dois ingredientes não eram orgânicos das fazendas envolvidas nessa cadeia toda. É uma coisa muito engraçada comer uma pá de coisinhas diferentes, muitas delas que você nunca viu na vida – talvez só em filmes.

Claro que para mim a parte mais legal não era descobrir como era esse esquema de banco de comidas ou descobrir alimentos mas sim conhecer pessoas.

Foi isso que fiz.

Vou começar falando de uma dupla de canadenses, ambas ainda na faculdade: Chloe e Louise. Elas eram gente boa demais, conversei bastante com ambas, acabei pegando uns 20 minutos para dar uma pequena aula de história do Brasil e da América Latina quando elas me perguntaram sobre opções legais de viagens no Brasil e se espantaram com o quanto nosso território tem ótimas atrações turísticas.

Nesse ponto, uma pequena divagação: 80% das pessoas, ao ouvir que sou do Brasil, me respondem “Best place in the whole world”. Mesmo.

Então eu conversei com essa dupla mais que simpática e contei tudo que elas podem fazer de legal, com ênfase nas cachoeiras. Uma delas, que namora um colombiano, me perguntou o quão longe a Colômbia é das cachoeiras que citei de Minas Gerais. A resposta deixou ela decepcionada, mas acho que ela não vai abrir mão dessas cachoeiras tão fácil. Vou ver se tiro uma foto das duas hoje para colocar nesse post.

Quando esse passeio todo acabou, o Mike, cara que tá organizando o congresso todo, perguntou se eu tinha me matriculado pro próximo programa: visitação a uma cervejaria e a uma vinícola. Sentiu o drama? Eu nem sabia que teria esse outro passeio, mas ele era 100% mais a ver comigo que o anterior. Perguntei na hora se não tinha como me encaixar nesse esquema e ele foi checar. Voltou com a resposta: sim, você está dentro.

Uma diferença básica que se podia notar: se no primeiro passeio havia 5 mulheres para cada homem, nesse era 1 pra 1.

E tudo foi se encaminhando de tal maneira que eu comecei a ter certeza que faria uma das melhores baladas de toda a viagem. Pra começar pelo grupo que compôs a nossa van. Por pura sorte, eu fui só com os figuras que não tinham nada a ver com o ar geral que se pode esperar: a motorista era uma estudante mestiça de 22 anos, vinda do lar dos whiskies Bourbon. Não tinha como ser melhor. O Bourbon favorito dela é o Jim Bean, o mesmo que eu. High-five instantâneo. Ela é tipo uma orientanda do Mike, estava lá para dar uma força dirigindo uma das vans e se revelou uma ótima companhia.

Tinha também a Erica. Italiana de Piemonte, eu tomei um choque porque achei que ela tinha 35, mas na verdade já está com 43, dois filhos. Italiana desbocadíssima, comemorou quando o cara da cervejaria disse que só poderia nos falar a temperatura em Celsius porque não tinha aprendido em Farenheit. A gente riu demais, a tarde toda. Ela tem opiniões fortíssimas sobre bebidas: não acredita em nenhum vinho que seja doce ou suave. E falou que acha interessante o fato de entender um pouco quando eu falo português, já que em Portugal ela não entende nada que os caras falam. Expliquei minha pseudo-teoria de que nós paulistas falamos um pouco como os italianos, dessa maneira mais cantada. Mas o figura-mór que tava com a gente nessa van era o Jeff. Um professor de filosofia quase sessentão que resolveu estudar food and drinks e acabou se apaixonando pelo assunto. E entenda que no, quesito “paixão”, a especialidade do cara eram as bebidas. Ele manjava tudo sobre o processo de fazer a cerveja, inclusive de coisas como a quantidade de lúpulo e a temperatura do malte e tals. Verdadeiro especialista. Sim, eu estava com as duas pessoas que secaram as amostras de cerveja que trouxeram após a aula teórica.

Momento mágico: cada um do grupo falando sua cerveja favorita e eu digo a minha, a API Dragonfly. Ele se aproxima de mim, falando quase um segredo.

“So, Roberto, do you know what they say about peolple who loves API...”

“No, I don’t, Jeff.”

“They say they are ‘hop-heads’.”

“And what does it means to be a ‘hop-head’, Jeff?”

“API attracts hop-heads because they have a specific flavor, of another substance. That’s they are also called ‘pot-heads.”

Nessa hora eu desabei de rir. O tal professor de filosofia de Utah tinha uma percepção muito jovem e única das coisas. Deus ama os bêbados.

Então essa trupe única voltou à van para irmos ao vinhedo que faz vinhos entre os mais conhecidos entre todos os dos EUA. Seguimos o caminho inteiro rindo, certos que o negócio só tinha a melhorar dali pra frente. Chegamos à conclusão que éramos as melhores companhias que poderíamos ter naquele passeio – pessoas verdadeiramente (e não só academicamente) apaixonadas por bebida ali.

No vinhedo rimos muito mais. O cara que supervisionava toda a produção era um ex-militar de 50 anos. Um coroa inteirão que nunca perdeu a cara de militar americano. Ele foi explicando vinho por vinho enquanto estávamos na frente daquela casa construída no século 18 no meio de um cenário maravilhoso. Enquanto ele mostrava cada vinho, eu olhava para a cara da Erica e ela ria com a indisfarçável expressão fácil de “isso não é vinho nem a pau, só se for pra esse cara”. O bom é que só eu vi, e essa diversão durou muito tempo. Encontramos também nesse passei o Scott, um novaiorquino negro com longos dreadlocks e um óculos intelectual. O cara fez uma manha ótima: a mina que estava a seu lado deixou a taça dando sopa em cima da mesa e ele sempre a oferecia para ser reabastecida – mas era ele que malandramente tomava as duas. Eu reparei nisso e antes mesmo que eu pudesse soltar uma palavra que fosse a respeito disso, o Jeff disse “Hey, how long that Guy have been with two glasses? I need a second one too!” Ri demais, quase caí.

Eu com certeza não estava no estado mais sóbrio de todos quando o marine explicou que a fita amarela em volta das parreiras era eletrificada para espantar os cervos e eu perguntei se aquela mancha preta em determinado pedaço era o Rudolph, a rena do nariz vermelho. A Erica e o Jeff riram tudo que conseguiram e ela ainda me falou o que seria o melhor sinal de aprovação “oh boy, you’re mean.” Ali, no meio daquele cenário inesquecível nos campos de Indiana, junto com esse povo, eu tive certeza: havia encontrado na viagem pessoas como eu. Incorrigíveis, e prontos para rir de tudo.

De lá fomos para um jantar, do qual eu não fazia a mínima ideia do que esperar. No caminho, fiquei contente quando a garota mestiça disse que meu inglês era muito bom. Eu não pratico nunca, estava receoso quando soltei as primeiras palavras por aqui e me senti o Tarzan em Nova York.

E então chegamos ao tal lugar onde seria o jantar: um imenso rancho, com pelo menos umas 40 pessoas. O dono do lugar, também chamado Jeff, é o cara que nos recebe. Uma camisa branca cheia de folhas de maconha e um chapéu branco de rafting me fizeram ter certeza que tudo era muito mais descontraído do que eu poderia imaginar antes.

Ele nos cumprimenta e não lembro exatamente o que falamos, mas ficou claro para ele e para nós que estávamos na exata mesma vibe. Ele nos leva à fila para pegarmos o jantar e, surpresa: feijoada. Sim, completa, com coisas que nem nós colocamos, como testículos, miolo e coração do porco – além, claro, do mais que impressionante crânio como decoração. Tudo lá planejado para tirar os americanos do chão gastronômico a que eles estão acostumados. Para beber, dois tipos diferentes de cerveja. Não tive dúvidas, me servi de mais um belo copo de API. Como nós fomos os últimos a chegar, pegamos a mesa que sobrou, uma um pouco mais afastada. Isso, eu fui perceber, foi o acontecimento mais propício de todos. Porque, por sermos os últimos a pegar o prato e sentarmos em uma mesa vazia – mais o fato de termos feito a brincadeira com a camisa de fumeta do cara assim que chegamos, julgo – foi o fato que ‘convidou’ o cozinheiro, um ruivo que estava da mesma cor que seu cabelo raspado a se sentar em nossa mesa, junto com seu suchef e com o Jeff dono do rancho.

E então tivemos um jantar simplesmente fora de série. Conversamos sobre aquela comida que eu conhecia tanto e a conversa fluiu como as grandes conversas o fazem. Falamos sobre cozinhas, comidas de um dia específico da semana (como a feijoada nos sábados e quartas), peculiaridades comuns entre Itália e Brasil, viagens... enfim, mundo de coisas. Do nada a Erica me saca um pacote de fumo de cachimbo e começa a bolar um cigarro de tabaco americano. Aposto que muita gente ali olhou para nossa mesa e, vendo tudo de longe, pensou “lá vão aqueles estrangeiros loucos fumar maconha agora”. Mas como na minha mesa estava não só ela como o dono do rancho e a equipe da cozinha, me senti à vontade para fumar um cigarro que não parecia mas era só tabaco.

Saímos todos para uma caminhada no interior do rancho. Nesse momento eu tive oportunidade de conversar melhor com o Scott, o cara de Nova York. Não lembro bem como e puxamos o assunto para comida e religião e falei da Festa de São Cosme e Damião. E não é que o cara manjava tudo de candomblé e Brasil? Mesmo. O cara tinha vindo para o Brasil um tempo e feito um intensivo daqueles, manjava tudo da cultura negra da Bahia e do Brasil. Aprendi muito mais com o cara do que ele comigo.

Então veio uma parte interessante em que alimentamos búfalos com baggels e ainda vimos uma ninhada de porquinho, acho que uns 15, e sua mãe nervosa.

Na volta desse evento todo, nós estávamos na van com o Mike dirigindo. E eu tive um daqueles momentos bem portugueses de perceber o todo do momento e ficar se dizendo o quanto tudo era maravilhoso. E daí eu soltei um “oh, man, this is just...”, e o Mike disse “Explain.” E eu, claro, não soube explicar direito, devo ter parecido só um cara meio ébrio, mas disse algo do estilo “esse é uma daquelas situações únicas da vida que você sabe que nunca se repetirão – em nenhum outro lugar, em nenhuma outra época – e por isso são únicas. E essa noite aqui em Bloomington foi exatamente isso.”

terça-feira, 1 de junho de 2010

On the Road parte 1

Aeroporto de Nova York.

Um lugar comédia, com menos da metade das pessoas sendo americanos. Situação comédia: uma mulher chinesa pede ajuda ao casal de olhos azuis na minha frente. Ela também achou que eram americanos – como eu. Não entenderam um puto do que ela disse – como eu, de novo. Desço o olho rápido pro jornal dobrado na bolsa da senhora do casal e tá lá: russos. Atrás do nosso banco, a imensa família de indianos ri e se diverte com Shiva sabe o quê. É o BRIC presente da maneira mais metafórica e realista de todas ao mesmo tempo.

Enquanto isso, poucos americanos, quase nenhum. Eles olham em volta e sabem. Eles são os estrangeiros no mundo da nova economia.

Voo São Paulo – Nova York.

Ouço a aeromoça americana me perguntando qual bebida eu quero. A sede era tanta, ainda mais eu com essa tosse que tá pegando a garganta, que eu nem pensei: “Coke, please”. A Coca-Cola, em uma latinha a resposta pra tudo que tava me incomodando no bendito voo. Isso tudo pra explicar essa falha que não combina comigo: não perceber que aquela caixinha vulgar com aquele suco de uva que o coxinha pediu era na verdade vinho. Pedi “some wine, please” e ela, uma loira alta e parecendo pouco mais velha do que eu, me fala “are you in age of drinking?” Eu, rindo, “Yes, but I thank you for the mistake.” Me pergunta a maioridade alcoólica no Brasil e eu digo. Logo mais passa o outro comissário de bordo, acho que o único brasileiro. Esperto, vê meu copo vazio e pergunta se quero mais. “Sim, mais um vinho, por favor.” E daí vem o insólito: “Quantos anos você tem?” “Trinta, hahaha. Jura que eu pareço ter menos de 18?” E o cara fecha com a pérola, perguntando rápido para me pegar no pulo (como o Doutor Chang fez com o Hurley): “E em que ano você nasceu?”

Tá certo que tava escuro, era depois da janta, antes do pessoal dormir. E também que eu fiz a barba antes do voo. Mas... menos de 18? Ainda não entendi se foi elogio ou tentativa de humilhação.

Aeroporto de Nova York

Atração à parte: os passarinhos que ficam voando e ciscando dentro da área de embarque. Quando vi o primeiro, sozinho, fiquei com dó e pensei “de algum jeito ele vai sair, tomara”. Depois vi mais outro. Agora estou vendo pequenas revoadas. Mas o mais engraçado que se eu pergunto para qualquer um, os americanos são os caras que respiram até oxigênio artificial e nós somos os caras que vivem em harmonia com a mãe natureza, comemos frutas, somos quase o Tarzan. Só que quando tem qualquer pássaro – geralmente pombas – em qualquer lugar no Brasil, as pessoas espantam. Não adianta me dizer que é racional. Lembra mais um tique, dada a velocidade e falta de controle com que as pessoas agem. Aqui no aeroporto americano, ninguém se importa com os pássaros. Eles estão em harmonia com a rotina dos voos.

Epílogo

Não dormi direito. Claro. Eu nunca encontro posição quando o assunto é dormir em uma cadeira. Mentira, dessa vez até encontrei. Mas era cada posição de louco que eu acordava de vergonha e tentava algo um pouco mais normal. Conclusão, deu um sono daqueles assim que sentei na área de embarque com a ideia genial de esperar rapidinho as 8 horas sentado. Quase cochilei hora dessas. Cochilei sim, vai. Mas até o cochilo acabou. Só o que não para são os pensamentos. Então resolvi escrever. No Word mesmo. Que Internet também não há – só paga. Bem-vindo à America.

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Power grids reduce electricity bills for you. Smarter energy for a smarter planet.

Roads eliminate their own congestion. Smarter traffic for a smarter planet.

Medical histories alert doctors before patients get sick. Smarter healthcare for a smarter planet.

Store shelves know exactly what customers want. Smarter retail systems for a smarter planet.

Let´s build a smarter planet.

Confere comigo. O planeta mais esperto é o seguinte: não gastar menos energia, mas menos grana com isso; não parar de andar de carro, simplesmente querer que o trânsito seja resolvido; fazer um minority report da saúde e receber remédios do médico clarevidente; e encontrar nas prateleiras o que é indicado para o meu perfil sempre, nunca algo novo (para que mudar?). Será que a IBM quer um mundo mais esperto ou mais americanizado?